Re: Um Brasil x Argentina inesquecível
Eu aindo ando na bronca deste jogo de quarta-feira,
de Brasil e Argentina.
Na verdade, só vem chuva na minha cabeça.
Mas, este assunto, pelo menos hoje em Campão é chover no molhado.
Então, vou reproduzir um texto do site da
ESPN BR, daqueles da série “coisas que eu queria ter escrito” de tão bacana que
é.
Boa leitura a todos.
Um Brasil x Argentina inesquecível
De Thiago Arantes
Era domingo, mas pra mim pouco importava. Aos 7
anos e no começo das férias, todo dia era domingo. Aos 7 anos, de férias e
vendo minha primeira Copa do Mundo, todo dia era especial – e isso é muito mais
do que ser domingo.
A data eu precisei pesquisar, 24 de junho. O ano,
1990. É claro que na época eu sabia tudo sobre futebol e escalava as 24
seleções da Copa, coisa que obviamente não consegui fazer depois dos 12 anos e
certamente nunca mais conseguirei. O tempo deixa a gente meio burro pra essas
coisas.
Era dia de Brasil e Argentina e eu nem dormi
direito. Acordei e, na mesa do café, confessei. Pai, acho que hoje não vai dar,
os caras tem Maradona, Caniggia, Ruggeri, Burrochaga – claro que só falei
Burrochaga porque achava o nome sensacional. A resposta veio otimista, lembra
da Copa América, ano passado? Dois a zero com aquele golaço do Bebeto, o
Dunga acabou com o Maradona, Romário jogou muito. Fica tranqüilo, eles perderam
pra Camarões!
Perder pra Camarões realmente
não era uma grande credencial, mas àquela altura da vida eu já sabia que, em
1982, a Itália tinha empatado com Camarões e Alemanha tinha perdido pra
Argélia, só que as duas fizeram a final, e o Brasil que ganhou de muita gente,
inclusive da Argentina, dançou, Copa do Mundo era um negócio meio louco, mesmo.
Fui ver o começo do jogo na
casa de um primo, no mesmo prédio, e aos 7 anos, na primeira Copa da vida da
gente, uma das coisas mais legais é preencher a tabela. E como era legal a
tabela do meu primo, em forma de pôster, bonita demais. Antes do jogo tivemos
uma ideia brilhante. Vamos colocar logo o Brasil nas quartas de final pra dar
sorte? Vamos.
E lá estava o Brasil nas
quartas de final, com 3 minutos de jogo, esperando o vencedor entre Espanha e
Iugoslávia. Aos 7 anos a gente sabe escalar todas as equipes da Copa, mas é
burro a ponto de achar que futebol é só colocar o time nas quartas de final na
tabela e está resolvido. Não importa se é primeiro do grupo contra terceiro,
não importa se o time perdeu pra Camarões, se o goleiro titular quebrou a
perna, se o craque do time está meio sumido, nada disso importa.
Nunca vi o jogo de novo, em
detalhes, contando passes errados e cronometrando a posse de bola, mas lembro
que o Brasil foi melhor, lembro que acertou umas seis, talvez menos, ok, bolas
na trave, que Muller errou um “voleio”, muitas aspas em voleio, na cara do gol,
lembro que o cara que acertou o voleio um ano antes nem entrou no jogo, e que o
baixinho que fez o gol do título da Copa América também não.
Lembro do gol da Argentina,
claro, e naqueles dez ou doze minutos entre o lance genial de Maradona e
Caniggia e o apito final eu devo ter ido da casa do meu primo para a minha umas
vinte vezes, tentando achar um lugar que desse sorte àquela seleção brasileira
que chegaria a 20 anos sem um título. Tentando, na verdade, aliviar a culpa.
É claro que a culpa era minha.
Eu escrevi Brasil nas quartas de final e devia haver alguns Deus-do-futebol
brincando de marionete com aquele moleque de 7 anos, dizendo Olha seu idiota,
nunca mais faça isso, não se coloca um time nas quartas de final com 3 minutos
de jogo. Guardei a culpa para mim e fui pra casa, pela última vez.
Aí veio a parte mais difícil.
A sala já estava quase vazia, só sobrou meu pai, sentado no sofá e chorando.
Aconteceu alguma coisa, morreu alguém? E ele, tentando esconder a emoção,
respondeu. Morreu, filho, morreu o futebol brasileiro que eu vi ganhar a Copa
de 70.
No fim das contas, ele estava
certo. Mas aquele futebol campeão de 70 já havia morrido em 1982, alguém deve
ter esquecido de avisá-lo. Só que o futebol não se ganha de um jeito, apenas, e
o Brasil ainda seria campeão duas vezes depois daquilo. A Argentina, que chegou
à final, nunca mais repetiria a campanha.
Foi um jogo de muitas lições aquele Brasil x
Argentina, o Brasil x Argentina da minha vida. A maior delas, claro: nunca
preencher a tabela antes do fim do jogo.
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