Anatomia de uma Queda implode a “vitimização” do machismo

 


Tudo bem?


Creio que já assistiu. Se a resposta é negativa, talvez haja spoilers ou coisa parecida. Anatomia de Uma Queda (Anatomie d’une Chute, no original) é daqueles filmes que demoro um tempo para processar. Só por isso vale indicar o filme dirigido pela francesa Justine Triet que ganhou notoriedade ao receber indicações ao Oscar deste ano.


O longa de duas horas e meia levou a Palma de Ouro em Cannes,e tem como protagonista Sandra Hüller. Tem um texto da Fernanda Torres, na Folha de S. Paulo, que enche a bola dela. Realmente, a alemã manda muito bem e pode conferir sua versatilidade em Zona de Interesse, que levou vários prêmios também por agora.


Cara, Anatomia de Uma Queda poderia ser chamado também de O Caso do Frustrado Homem que não suportou o sucesso da Mulher. Ou, coisa parecida.


Quando o longa começa, e algumas dezenas de minutos a seguir, a expectativa é o que reserva o desenrolar da morte de Samuel, marido encontrado morto, aparentemente depois de cair de um dos aposentos da casa. Residência de tamanho considerável, diga-se de passagem.


A diretora parece deixar claro, assim como a reação inicial de Sandra, de que a escritora nada teve a ver com o incidente. Ao menos, passei longe de qualquer dúvida sobre sua inocência. Daí vem o modo “foi de propósito a impressão”.


Com a chegada dos investigadores e tal, o circo se monta e o caso cai na mão de um advogado de acusação que encarna o típico machista,espelho da maioria da sociedade, boa em destilar misoginia.


Sinceridade constrangedora: achei umas partes do julgamento longas demais. Todavia, nada de tirar o mérito do filme.


Atuação muito muito do trio formado pela acusada, advogado de defesa e (muito) conhecido da acusada, e o senhor da acusação. Este último, interpretado pelo francês Antoine Reinartz, faz você realmente ficar com raiva dele.

Imagens: Reprodução

Já o conhecido de Sandra, também lá do país de Macron, Swann Arland (interpreta Vincent), puts. Perdão, mas sua atuação consegue ser ainda um pouquinho melhor do que as já boas atuações de Sandra e Antoine.

De quebra, tem Milo Machado Granier, que faz o filho Daniel. Interpretação digna de nota em elenco que faz por onde ter levado a produção a este grau de conhecimento do público.


Dito isso, Anatomia de Uma Queda fez lembrar outras produções mais recentes, sobre relacionamentos, como Namorados para Sempre (2010, Blue Valentine, esse não sei bem porquê), e História de Um Casamento (2019), que até foi citado pela diretora.


Em Anatomia, o julgamento transcorre em paralelo aos acontecimentos e revelações que envolvem o casal. À medida que o caso se estende no tribunal, o pessoal da acusação pega cada vez mais pesado com Sandra. 


Como se ela tivesse culpa de ser bem sucedida, como se pegasse mal coisas que fez em sua vida íntima, e a demonizar pelo estado em que Samuel acabou.


Sabe, a linha de argumentações contra a escritora e mãe, fez eu recordar o caso Ângela Diniz, que escutei em podcast da Rádio Novelo. Praia dos Ossos. Ótimo trabalho jornalístico.

O feminicídio ocorreu no fim da década de 70. Óbvio, Anatomia é uma ficção, só que os motivos para detonar a reputação de uma mulher são facilmente aceitos por muitos e muitas meio século depois.


“Coitado” de nós, homens, não? Incomoda ver o sucesso das pessoas que não sejam muito macho? Se sim, o problema é contigo. Se necessário, procure ajuda profissional.


Incorporar o pensamento bem coletivo das reticências estilo “ah, mas ela só tá bem porque…, ela merece, mas não duvido que teve ajuda…, também, desse jeito até eu…, quando assim, nem deve dar atenção para os filhos e o marido...”. Vai ver é só inveja, mesmo. Vai ver, tem muito mais coisa.


No começo de Anatomia, uma pista do que viria. Versão instrumental de P.I.M.P, do rapper 50 cent em volume altíssimo colocado por Samuel, que atrapalhou a entrevista que Sandra daria em sua casa. Tiver curiosidade, pesquise a letra da música, e vai se ligar.


No caso do longa francês, a personagem de Sandra Huller faz o máximo para evitar alardes. Aguentou os perrengues, discutiu com Samuel quando precisou, só que passou ao largo de criticar o, até então, seu marido, e pai do seu filho, cujo garoto a galera inquisidora tampouco se importou com sua presença no tribunal.


Imagine a cabeça do garoto em meio à exposição da vida da sua mãe que só interessa a ela. Ou, devia ser. A diretora Justine Triet imaginou. Tá lá isso e mais coisas que rodeiam tanto o julgamento como as nuances emocionais/sociológicas da já citada trinca principal de personagens.


Comentário aleatório e passivo de carimbo “sem noção”: Vincent e Sandra fizeram ou fariam um belo casal, ou vai dizer que não?!


É isso. Talvez escrevi mais do que queria e algumas impressões ficaram confusas. Deixarei assim. Faz parte do processo, do aprendizado de todo dia.




Links que têm a ver com o post da vez


Anatomia de uma Queda: O uso da vida íntima para desqualificar mulheres nos tribunais

Por Tainá Jara

https://www.revistabadaro.com.br/2024/03/14/anatomia-de-uma-queda-o-uso-da-vida-intima-para-desqualificar-mulheres-nos-tribunais/



"Algumas coisas para responder": Como a MELHOR cena de Anatomia de uma Queda foi uma resposta a História de Um Casamento

Por Júlia Barbosa

https://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-1000068612/


- Rádio Novelo apresenta Praia dos Ossos – Podcast sobre o assassinato de Ângela Diniz

https://radionovelo.com.br/originais/praiadosossos/



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Abraço, se cuide.

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