A Memória Infinita é uma ode ao não querer mais que bem querer
Documentário chileno dirigido por Maite Alberdi, também participante da produção do longa de quase hora e meia. Entre os produtores figura Pablo Larrain, responsável por trabalhos como o bom pacas No (2012), e Neruda (2016).
Lançado ano passado, Memória Infinita retrata a vida da atriz Paulina Urrutia e do jornalista Augusto Góngora. Este último acometido pelo Alzheimer. É um filme bonito.
O dia a dia mostra o esforço de manter um relacionamento em que as memórias esfarelam na mente de Augusto. Paulina se encarrega de cuidar do companheiro, trabalho formiguinha -praticamente as 24 horas do dia -de reconstruir as memórias que colecionaram.
Durante o processo, o espectador é apresentado ao casal, portas abertas tanto quanto a casa que construíram juntos. O que cada um fazia, suas profissões, e tal.
É a deixa para Alberdi alfinetar Pinochet e os tempos pesados da ditadura chilena. O palácio presidencial foi bombardeado, repito, bombardeado, e até hoje tem gente que acha bonito os atos do falecido ditador e seus parças.
Na década de 70, 80, Góngora trabalhou muito no que hoje seria a imprensa alternativa, ou independente. Tanto ele como a artista Paulina Urrutia deixam claro a oposição à repressão.
As tomadas por vezes são belas, porém, nada é gratuito na condução de Memória Infinita. Vivemos tempos difíceis, em que a democracia, a liberdade, correm risco à olhos vistos. O passado não pode ser esquecido. O documentário bate nessa tecla alguma vezes.
Entretanto, o forte do filme, melhor, a forte do filme é Paulina.
O doc exibe momentos com várias emoções. Desde as lembranças do primeiro encontro, o contínuo processo de reafirmar que ambos são, de fato, casados há mais de vinte anos, até instantes em que Augusto Góngora se descontrola diante de sua própria impotência causada pela doença, e, discute com seu amor.
Paulina tem todo o direito de desabar quando ele não a reconhece, a trata como se fora estranha em sua casa.
É uma história de muito amor envolvido. Longe de entender mal, o relacionamento dos protagonistas nada tem de abusivo, tóxico ou coisa parecida.
A direção, o roteiro, leva a quem assiste a sensação de desfrutar de um diário. Uma ilha de ternura cercada pelas consequências do Alzheimer com marolas de lembranças que só existem para quem sabe ter. Neste caso, sem ativar vida cigana para se afastarem uma do outro.
Indicado ao Oscar, “20 dias em Mariupol” foi o vencedor, A Memória Infinita pode ser analisada por mais de um ângulo.
Pode ser sobre a doença, sobre a ameaça mais que conservadora que ronda o mundo, política, sobre o Chile mesmo.
Optei pelo dia a dia. Pela força de Paulina Urrutia, de uma espécie de amor que muitos julgam impossível de ter e manter.
Opa, necessário que fique registrado, Augusto Góngora também é especial. Parecia ser daquelas pessoas com o dom da palavra certa para cada ocasião. Seja na vida em particular ou diante das câmeras. Sereno, gente boa, gosta de uma dança.
É isso. A Memória Infinita é quase um “bom demais para ser verdade”. Digo quase, pois não me pareceu demais de exagerado. É verdade.
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