Só vi agora, documentário Quatro Paredes é difícil de ignorar
Daquelas coincidências sinistras, ou não, em breve hiato de tempo em uma tarde de domingão, cacei algo pra assistir. Tropecei em Black Box Diaries – tipo diários da Caixa Preta - título original e melhor que Quatro Paredes.
A coincidência é porque depois que assisti, nesse finado domingo, dois de novembro, reparei que era o último dia do documentário indicado ao Oscar 2025 na plataforma Sesc Digital. O longa de pouco mais de 1h40 está em outros lugares também. No meu caso, a satisfação ter sido de grátis.
Dirigido e protagonizado por Shiori Ito, Black Box Diaries no mínimo é um trabalho de coragem. Para ter uma ideia, nem sei se enquanto escrevo o filme conseguiu chegar ao circuito de cinema japonês. País em que se desenrola a história real. Tenso.
Caso não viu, o documentário relata um caso de estupro sofrido por uma jornalista cometido por outro jornalista. Após convite para discutir uma proposta de trabalho, os dois se encontram em um restaurante, o renomado Noriyuki Yamaguchi teria a drogado e levado a então repórter de pouco mais de vinte anos dentro de um táxi até um hotel de luxo, onde acontece o estupro.
Essa é a versão da vítima e, deixo bem claro, para mim é a verdade. Nessa altura, você já sabe que a mulher é diretora e protagonista do longa. Só pra constar, o Oscar foi para o palestino-israelense No Other Land.
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Brigadão
Olha, dá para abordar uma pá de coisa. E, vou só pincelar umas para evitar clichês, chover no molhado, frases simplórias e tal. Ao menos, tentarei.
Shiori Ito mete o dedo na ferida do sistema judiciário do Japão. De como é atrasado em relação à violência contra a mulher. A lei contra estupro tem mais de cem anos, porém, o fato do consentimento, menos de vinte, para se ter uma ideia. As penas, ao que parecem, são bem leves.
Outra, mostrada por Shiori, é que há uma estimativa de que apenas quatro por cento dos abusos serem denunciados na polícia. Aliás, atendimento, abordagem, e tratamento que foram oferecidos no caso dela é humilhante. De indignar, mesmo.
Os motivos recaem em uma cultura patriarcal e misógina, em que se naturaliza o assédio e silencia as vítimas. Muitas vezes, vistas como aproveitadoras, chamadas de prostitutas.
O calvário percorrido pela jornalista talvez te impacte menos, pois, de repente, pode se assemelhar ao que ocorre no Brasil. Isso é uma merda. Não se pode perder o indignar, jamais.
Black Box Diaries mostra o quanto é difícil enfrentar figurões. No caso, Yamaguchi tem entre outros destaques em sua carreira, ser responsável pela biografia de Shinzo Abe, que foi primeiro ministro do Japão.
O documentário dá a entender que a proximidade com o político, assassinado em 2022, deixou o abusador em posição muito confortável. A ponto da maior parte da mídia nipônica abafar o caso, mesmo quando a jornalista expôs e se expôs publicamente em uma medida desesperadora para que a violência sofrida não fosse esquecida.
Só mais um ponto, prometo, é bem pessoal. São jornalistas, né. Impossível encarar o episódio da mesma forma de um expectador qualquer. Desta forma, Shiori Ito deu praticamente uma aula imersiva e de significado de amor à profissão. E amor por ela mesma. Poucas teriam coragem, resiliência e uma frieza perspicaz de logo no início notar que por meio policial não ia dar em nada. Assim, decidir gravar todo material possível para resultar em uma iniciativa que extrapolou o Japão e ganhou o mundo.
Quatro Paredes – confesso, encasquetei com esse título no Brasil, achei bem fraco – tem um ritmo bem legal. Em forma, sei lá, de diário audiovisual, e, goste ou não, sem medo de parecer piegas ou dramático. Se na frente de uma tela ninguém age normalmente. Shiori Ito tinha muito mais a perder do que a ganhar quando topou consigo mesma a ser a personagem principal de sua baita reportagem.
Em meio aos seus escritos e narrações que parecem notas de rodapé, a mulher vive uma montanha russa de uns oito anos. São boas e más notícias, euforia uma hora, desânimo em outras, apoio ou não ajuda da mãe e do pai.
Em certa altura, Shiori reconhece que o seu não parar adia o momento de ter de se olhar no espelho e confrontar com seus monstros.
Momento meio nada a ver: meu conceito sobre o Shinzo Abe despencou. Pô, foi o tiozinho que se vestiu de Mario Bros no encerramento da Rio 2016 para chamar a galera para a Tóquio 2020. A ignorância não é uma benção.
Ser jornalista já é complicado. Jornalista mulher, muito, muito mais.
A atuação de Shiori contribuiu para a entrada do movimento Me Too no Japão. A bandeira levantada no país do Sol Nascente fez ela ser considerada em certo ano – esqueci, mas pesquise aí se for o caso – uma das 100 pessoas mais influentes no mundo.
Ia falar do livro que ela escreveu antes (Black Box), mas deu. Esse papo de “não vou me alongar” sempre é o contrário, né. Quando estou em evento e o cara começa com “serei breve”, pode esperar sentado.
É isso, Black Box Diaries é a dica. Aproveita e teste seu pré-conceito acerca do Japão e da sua cultura vista muitas vezes, sim, de forma exótica e até caricata. Fui.
Abraço
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