Ouro de tolo, de Raul Seixas, versão esporte brasileiro
*Texto publicado na edição de hoje (3) do jornal O Estado MS
Eu devia estar contente porque moro em um país olímpico, sou
um dito esportista respeitável, mas admiro companheiros meus que conseguem
ganhar quatro mil reais por mês.
Eu devia agradecer ao governo por ter criado o Bolsa Atleta,
um sucesso federal, mesmo que o pagamento nem sempre atrase, o que é um tanto
normal.
Eu devia estar feliz, porque mesmo sem apoio do Estado ou do
município, eu consegui comprar um Gol 99.
Eu devia estar alegre e satisfeito por morar em um
apartamento longe do centro, depois de ter vindo do interior ou de uma cidade
pequena, e sofrido em uma quitinete pelo sonho de ser um atleta.
Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso por ter finalmente
ganho uma medalha, mas eu acho isso uma grande piada e um tanto quanto
perigosa.
Eu devia estar
contente por ter sido homenageado, mas confesso abestalhado que eu estou
decepcionado.
Porque foi tão difícil conseguir e agora eu me pergunto: E
daí? Eu tenho uma porção de títulos para conquistar, mas sem patrocínio e
apoio, eu não posso me dar ao luxo de ficar aí parado.
Eu devia estar feliz pelas autoridades, por terem indicado
gente nada a ver com o esporte. Melhor seria, que a eles fossem concedido
eternos domingos para irem com a família ao Pantanal, Bonito, ou ao litoral, em
vez de darem pipoca aos macacos.
Ah! Mas que sujeito
chato sou eu, que não acha nada engraçado, sem apoio, sem estádio, cadê o
legado, sem ginásio, sem parque aquático, eu acho tudo isso um saco.
É você olhar no
espelho, se sentir um grandessíssimo idiota, ridículo, limitado, ao saber que
empresas e governos não usam dez por cento de seu orçamento para o desporto em
geral.
E você ainda acredita que é um corredor, jogador, nadador,
atleta, professor, que está contribuindo com sua parte para nosso belo quadro
social.
Eu que não me sento no trono de um gabinete, fundação,
secretaria ou ministério com a boca escancarada cheia de dentes esperando a
morte do esporte chegar.
Porque longe das
cadeiras acompanhadas de ar-condicionado que separam os campos, as pistas e as
quadras mal conservadas, no cume calmo do meu olho que vê, assenta a presença
de um esportista sonhador.
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